O Abutre (The Nightcrawler)

Direção: Dan Gilroy

Elenco: Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Riz Ahmed e Bill Paxton.

Ao ver “O Abutre” imediatamente vem à tona o clássico de 1951 “A montanha dos setes abutres”, de Billy Wilder e a triste constatação que desde do filme com Kirk Douglas nada mudou, somente piorou. Se antes tínhamos o boca a boca e a mídia escrita para explorar a dor das vítimas e seus familiares, hoje temos ainda a velocidade da internet para levar de maneira quase instantânea este sofrimento, aumentado pelo corporativismo das redes de televisão, visando apenas números e saciar a sede de sangue do público, cúmplice das tragédias.

Neste turbilhão, em meio ao desemprego, surge a figura de Louis Bloom (Gyllenhaal), uma das vítimas da crise financeira. Ele sobrevive de pequenos furtos que lhe rende alguns míseros trocados, mesmo que isso implique em machucar alguém. Como indivíduo desesperado, vê uma oportunidade de filmar acidentes e seguir o passo das autoridades em busca de uma cena do sofrimento para vender para a TV como um prêmio conquistado (detalhe ratificado pelo personagem que na maioria das vezes ergue a câmera como um troféu ao buscar um melhor ângulo).

A questão da moral x legal é imediatamente colocada em pauta quando surge a figura de Nina Romina (Russo): uma diretora de programação noturna de uma rede de TV que está muito longe de ser uma das mais assistidas. Ela vê no trabalho de Louis a sua chance de melhorar os índices, transformando o relacionamento entre os dois cada vez mais próximos e dependentes da dor. Por mais verídico que seja, é triste constatar que os valores do trabalho dependem do nível social da vítima e a aceitação da manipulação das provas para que elas pareçam reais.

O diretor estreante Dan Gilroy constrói bem a dinâmica entre o casal, com destaque para a presença de Rene Russo. Ao entregar uma mulher – apesar da aparente segurança como diretora de programação –, torna-se vítima das chantagens (inclusive sexuais) de Louis. Ponto interessante e levemente cômico é a utilização de chafarizes como metáfora para o encontro sexual dos dois. Será por Rene Russo ser a esposa do diretor não temos uma cena de tal encontro?

O trabalho de Jake Gyllenhaal mais uma vez é primoroso e fundamental ao compor seu Louis. Apesar de poucos recursos e estudo limitado, ele consegue galgar seu crescimento com determinação e vontade, ou seja, como se tivéssemos falando de um profissional que acabou de entrar no mercado de trabalho e faz o que for preciso para obter sucesso. Algumas nuances e gestos do ator, assim como fez no excelente “Os Suspeitos”, são peças importantes na composição do personagem. Em “O Abutre” temos seu leve sorriso ao vislumbrar o poder da nova empreitada, além de oferecer e de contemplar com seu olhar de satisfação (como um abutre) a ilha de edição antes de seu vídeo ir ao ar.

Outro detalhe na construção da sua persona é pontuado por sua segurança e habilidade de expor suas opiniões de maneira fria e direta e, na maioria das vezes, corretas. Como visto na discussão entre ele e Nina, onde Louis recita de maneira cruel a vida profissional dela em cada frase – mas sem jamais alterar seu tom de voz –, tudo para apenas conseguir seus interesses.

A direção de arte exemplifica o comportamento do protagonista, principalmente ao tornar o seu apartamento frio, realçado pela fotografia azulada, na qual as reportagens sobre os acidentes é a única coisa que destoa deste ambiente. Assim como o único sinal de vida do lugar: a pequena planta posta ao lado da TV, na qual ele a rega frequentemente, gerando o contraste com o aparelho.

Detalhe importante também é seu figurino sem grandes alterações, mesmo tendo sucesso financeiro. Excedendo em seu contexto apenas seu novo carro vermelho, mas que não possui o proposito de ostentação, mas sim o intuito de ajuda-lo na busca por mais sangue.

Mesmo sendo um personagem identificável e até certo ponto carismático, Louis se torna ao mesmo tempo repugnante e detestável. Como não sentir asco por saber que é capaz de atos com sabotagem envolvendo outros profissionais? Como no exemplo do personagem Joe Loder (Paxton) que foi visto não apenas como concorrente, mas sim como inimigo mortal. O olhar de Loder ao recriminar Louis pelos seus atos, em meio ao seu próprio sangue, é emblemático, principalmente ao expor esta concorrência cruel onde ninguém esta livre de virar vítima.

O roteiro ainda consegue dentro do contexto da trama inserir um clímax envolvendo um crime que se tornará a grande oportunidade que Louis espera, no caso ele a provoca de maneira irresponsável, ponde em risco a vida de inocentes. Ao contar com a ajuda de seu assistente Rick (Ahmed), ele consegue imagens que o fará não somente reconhecido (fazendo questão que digam no ar o nome da sua empresa), mas como alcançar o status dentro da emissora, ao ponto de conhecer o dono e se tornar um colega de trabalho dos apresentadores.

A direção testa o público através das filmagens de Louis e pela violenta cena do crime, pois pelo fato de existir um berço no local, possivelmente haverá bebê como vítima da chacina. Neste ponto somos pegos pelo fato de muitas pessoas, mesmo que intimamente, torceram para que a cena antecipada se confirmasse. Qualquer aceitação dos atos de Louis por mais cruéis que tenham sido ou que alguém poderia alegar que ele era um profissional como tantos outros, não podendo imputar-lhe a culpa dos acidentes, uma vez que estava apenas tentando ganhar a vida, tais condutas perdem o seu fundamento na sequência final, quando Louis expõe toda a sua psicopatia envolvendo seu ajudante, que estava ali como um jovem imigrante tentando, assim como ele, ganhar a vida.

Reflexivo e contundente, “O Abutre” nos mostra a dura face das notícias instantênas e a violencia da mída com a cumplicidade de todos nós ; e que está longe de acabar. Louis sabe disso.

Cotação 5/5

 

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